O goleiro Cássio, atualmente jogador do Cruzeiro, usou as redes sociais nesta sexta-feira (22) para relatar a dificuldade em matricular sua filha, Maria Luiza, de 7 anos, em escolas de Belo Horizonte. A menina tem Transtorno do Espectro Autista (TEA), e o caso levantou um debate urgente: afinal, escolas podem recusar crianças com autismo?
Segundo o desabafo do atleta, a justificativa apresentada pelas instituições envolve o fato de Maria Luiza contar, desde os 2 anos, com o acompanhamento de uma profissional especializada. De acordo com ele, mesmo escolas que se dizem “inclusivas” não autorizam a presença desse acompanhante dentro da sala de aula.
Esse tipo de situação, infelizmente, não é raro no Brasil e levanta questões jurídicas, sociais e educacionais. É importante entender: essa recusa é legal? Quais direitos estão em jogo?
Escolas podem negar matrícula de crianças autistas?
A resposta é não. De acordo com a advogada Flávia Marçal — que integrou o grupo responsável pelo Parecer 50 do Conselho Nacional de Educação (CNE), homologado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2024 — a recusa de matrícula de alunos com deficiência, seja em escolas públicas ou privadas, é considerada ilegal e inconstitucional.
Esse direito está garantido pela Constituição Federal e também pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Segundo a legislação, negar matrícula a estudantes com deficiência é ato discriminatório e pode resultar em pena de reclusão de 2 a 5 anos, além de multa.
Negar acompanhante é justificativa válida?
Ainda de acordo com a especialista, a resposta também é não.
A Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012) estabelece que a escola é responsável por oferecer as condições necessárias para a aprendizagem e participação de crianças com autismo, incluindo a disponibilização de acompanhante especializado quando comprovada a necessidade.
Ou seja, é dever da escola custear ou contratar esse profissional. No entanto, na prática, muitas famílias preferem manter o acompanhante particular da criança, pela falta de qualificação dos profissionais indicados pelas escolas.
Nesses casos, prevalece o princípio do melhor interesse da criança, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Se houver impasse, a orientação é procurar o Ministério Público ou a Defensoria Pública. Mesmo assim, negar a matrícula por conta desse debate continua sendo ilegal.
A advogada ressalta que o goleiro Cássio poderia, inclusive, ingressar com ação judicial contra as escolas que recusaram a matrícula de Maria Luiza.
O que é educação inclusiva?
A educação inclusiva é baseada em quatro pilares fundamentais:
- Acesso
- Permanência
- Participação
- Aprendizagem
No caso relatado pelo goleiro, a filha não conseguiu nem o primeiro pilar, o acesso, o que impede qualquer discussão sobre os demais.
Por que o acompanhante é importante para alunos com TEA?
O acompanhante especializado, também chamado de acompanhante terapêutico (AT) ou profissional de apoio, é fundamental para garantir inclusão, segurança e desenvolvimento da criança com TEA.
Esse profissional auxilia em áreas como:
- Comunicação e execução de atividades em sala de aula;
- Interações sociais e construção de amizades;
- Questões de higiene, locomoção e cuidados pessoais;
- Apoio em momentos de crise.
A necessidade e intensidade do apoio dependem do nível de autismo (níveis 1, 2 ou 3).
Algumas escolas particulares, porém, defendem que o AT não deve atuar em questões pedagógicas, mas apenas em apoio básico, como alimentação e locomoção. Essa divergência reforça a necessidade de regulamentação mais clara sobre as funções do acompanhante.
O que falta esclarecer na legislação?
Apesar dos avanços, ainda existem lacunas na legislação brasileira sobre autismo e educação inclusiva.
A lei garante o direito ao acompanhante, mas não detalha suas funções. Termos como “atendente pessoal” e “profissional de apoio escolar” carecem de definições mais precisas em nível federal.
Infelizmente, o Parecer 50 do CNE deixou de abordar o tema de forma clara, e a Lei Berenice Piana vem sendo questionada por grupos que defendem que o autismo não é deficiência — o que, segundo ela, fere frontalmente a legislação vigente.
Conclusão: recusar matrícula é crime e fere direitos fundamentais
O caso da filha do goleiro Cássio evidencia um problema que milhares de famílias brasileiras enfrentam todos os anos: a dificuldade de garantir o direito básico à educação inclusiva.
A legislação brasileira é clara: escolas não podem recusar matrícula de crianças com autismo. Também é dever da instituição garantir os recursos necessários, inclusive o acompanhante especializado.
Mais do que uma questão legal, trata-se de assegurar a dignidade, a igualdade e o desenvolvimento pleno das crianças com TEA, princípios fundamentais da Constituição e dos direitos humanos.