Historicamente, as pesquisas apontam que o autismo seria mais comum em meninos do que em meninas. No entanto, novos estudos trazem dados relevantes sobre as diferenças neuroanatômicas, diferenças genéticas e comportamentais femininas, o que nos faz entender e ter uma visão de que talvez a forma de diagnóstico esteja sendo traçada apenas considerando características masculinas, negligenciando um diagnóstico para elas, que são conhecidas por “mascarar” os sinais.
Não existem critérios diagnósticos adaptados para mulheres, mas hoje os cientistas acreditam que elas sejam mais protegidas contra os fatores genéticos e ambientais do autismo, segundo a psicopedagoga Lygia Pereira.
Para ter-se certeza do autismo na população feminina, os critérios diagnósticos devem estar presentes e não apenas, alguns traços autísticos. Após a da atualização do DSM – 5, temos dois critérios principais, que são:
- Critério A: Interação e comunicação – é preciso apresentar 3 dificuldades que são: o déficit persistente em reciprocidade em interações, dificuldade de se expressar de forma verbal e não verbal e dificuldade de iniciar conversas, iniciar relações etc.
- Critério B – comportamentos repetitivos e restritivos, em quatro itens básicos que são as estereotipias, hiperfoco ou hipofoco, hipersensibilidade e inflexibilidade. Sendo que nesse, é preciso que pelo menos 2 das 4 características sejam apresentadas.
De acordo com Lygia, o que precisamos é saber reconhecer melhor as variações de comportamento. “O próprio DSM – 5 já fala sobre essa dificuldade e admite que os exemplos que o texto traz são apenas ilustrativos e na verdade não cobrem o espectro de possibilidades, principalmente quando se fala de autismo em adultos. Sobretudo nas mulheres, a camuflagem pode ser funcional, por isso é preciso que os profissionais fiquem atentos, já que mesmo parecendo ser bem articuladas, elas podem ter prejuízos emocionais persistentes.”
Por que ainda temos dificuldades em diagnosticar o autismo em meninas?
Durante uma palestra no seminário Rio TEAma, que aconteceu em Campos do Jordão no início de agosto, a neuropsicóloga Luciana Xavier, mostrou fatos importantes e relevantes, do ponto de vista científico para o autismo em meninas.
Segundo ela, o cérebro feminino tem diferenças arquitetônicas e estruturais, que fazem com que as conexões sejam diferentes; além de algumas alterações na célula do lóbulo temporal, onde mora a linguagem, comunicação e parte da memória. Então, meninas têm uma facilidade maior nisso.
Características arquitetônicas estruturais que diferenciam meninas x meninos:
- Habilidades
- Dificuldades
- Personalidade
- Percepção
- Cognição social
- Maturação
- Ritmo de desenvolvimento
- Cognitivo
- Relacionamentos
- Força
Além disso, recentemente foi mostrado em alguns estudos, que elas têm maiores conexões no corpo caloso – uma estrutura cerebral que transfere as informações no hemisfério direito para o esquerdo; isso faz com que o cérebro trabalhe em maior harmonia, ou seja, faz com que mulheres também tenham facilidade na cognição social, expressão verbal e pragmática. Apesar de nem sempre terem atraso na fala, elas possuem dificuldade na comunicação, na expressão e na linguagem (que não se resume apenas a fala).
A quantidade de neurônio espelho no gênero feminino é maior, o que contribui para a imitação, que é uma das causas que fazem com que mascarem os sinais; pois quando há essa facilidade em imitar, elas o fazem de forma natural, passando-se despercebidas suas dificuldades em falar, se relacionar e ter atitudes, por exemplo. Na verdade, apenas estão imitando amigas, irmãs etc.
De acordo com Luciana, essas são algumas formas de apresentação do autismo em meninas:
- Não apresentam necessariamente atraso na fala;
- Apresentam precocidade;
- Fala sempre muito correta e bem estruturada para idade;
- Falta de repertório;
- Dificuldade para manter uma troca de turno (quando devo entrar na conversa, quando devo responder?);
- Dificuldade para entender indiretas, piadas e ironias;
- No social, são facilmente confundidas como tímidas;
- Apresentam leve alteração no brincar, com menor interação com pares;
- Podem estar sempre presentes no recreio e encontros de família, com grande esforço, imitando os demais;
- Tendem a evitar eventos sociais, quando enfrentam fazem uso de script;
- Costumam sempre ter uma amiga/ irmã muleta;
- Apresentam hiperfoco e interesse restritos mais comumente vistos;
- Mostram-se mais rígidas, inflexíveis: algo que traz prazer, acalma e conforta, diferente do TOC, que causa “sofrimento”;
- Apresentam menos comportamentos externalizantes (agitação, impulsividade) e mais condutas internalizantes (estereotipias sutis, como comer a pele da bochecha por dentro, a pele de unha, a pele da boca);
- Apresentam maior tendência a conduta autolesivas;
- Apresentam pioras, complicações, geralmente chegam aos consultórios na adolescência.
Além de diferenças no cérebro, temos mais três questões envolvidas: metabolismo, hormônios e reforços sociais (esse é bem importante no diagnóstico; pois é comum ter associado a elas reforços do tipo: “Tudo bem ela estar quieta”, como se fosse algo normal, como se meninas fossem apenas tímidas. Elas têm maior oportunidade de treinamento das habilidades de interação, por serem educadas desde cedo a serem “quietas, educadas”.
Esses não passam de falsos elogios, que muitas vezes escutam no decorrer da infância e adolescência, fazendo com que esse seja um motivo de maior dificuldade no diagnóstico. Quantas vezes não ouvimos falar que meninas são mais quietas ou boazinhas?
Luciana cita ainda algumas características de meninas autistas:
- Sem atraso;
- Não dá trabalho, comparada aos pares de escola ou irmãos;
- Precocidade na alfabetização;
- Maior autonomia;
- Brincadeira de arrumar;
- Brincadeira mais solitária;
- Adorar/ viver no seu mundo;
- Fazer desenhos e gostar de miniaturas;
- Ser obediente;
- Fã de rotina e organizada – sistemática.
“Essas questões fazem com que o autismo passe despercebido, durante uma vida toda, fazendo com que tenhamos um atraso no diagnóstico, consequentemente atraso no tratamento correto, atraso a adaptações e aumentando maior risco de comorbidades”, completa a neuropsicóloga.
Com base nisso, muitas vezes quando meninas chegam ao consultório, o que aparecem são outras características, fazendo com que o autismo fique “escondido”. Características essas que levam a outros diagnósticos como: transtorno de personalidade boderline, depressão, baixa autoestima, bipolaridade, ansiedade, suicídio e déficit de atenção. E tudo isso pode potencializar algumas dificuldades do Autismo.
Ainda segunda Luciana, em testes de escala como SRS-2, por exemplo, a pontuação de meninas pode ficar em 58, porque elas têm mais habilidades; quando é preciso 60 pontos para fechar o diagnóstico do autismo no teste. Por isso é necessário, uma avaliação completa. Os testes são super importantes, mas a avaliação deve ir além, através da observação, coleta de dados, raciocínio clínico e provas ecológicas.
Qual é o preço para um diagnóstico tardio do autismo nas meninas?
- Falta de conhecimento;
- Passar a vida tentando se encaixar em padrões;
- Rebaixamento constante da autoestima e autoconfiança;
- Maior tendência a depressão e ansiedade e ideação suicida;
- Conflitos na esfera interpessoal e na carreira;
- Sensação constante de não pertencimento;
- Alteração bruscas de humor e estado de ânimo;
- Falta de acesso ao tratamento correto;
- Depressão.
Para melhorar tudo isso, é necessário, primeiramente, segundo Luciana Xavier, uma revisão e atualização nos critérios diagnósticos, não só do autismo, mas de todos os outros transtornos. Ela levanta a importância dos profissionais irem atrás das queixas e problemas e não esperar que a meninas/mulheres falem de suas dificuldades. “É preciso entrar na conversa em uma avaliação, perguntar: como era isso, como você se sente? Entrar na conversa pois muitas vezes elas não vão trazer as queixas, as dificuldades; nós é que precisamos descobrir”.
REFERÊNCIAS:
Palestra Rio TEAma – Campos do Jordão, 06/08/2022
Autismo em mulheres – faz sentido falar em autismo feminino? – Lygia Pereira – Psicopedagoga
Créditos: Nathalia Barreto